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Porto de Luís Correia: um poço sem fundo?

O litoral do Piauí segue refém de uma promessa que se arrasta há décadas: transformar Luís Correia em um grande porto de cargas. Entre anúncios milionários, solenidades de inauguração simbólica e visitas a investidores estrangeiros, a realidade permanece dura e teimosa — o mar piauiense é raso, arenoso e instável. Cada metro de profundidade conquistado exige dragagem pesada. Cada dragagem realizada, em pouco tempo, é engolida novamente pelos bancos móveis de areia.

O resultado é um projeto que ameaça se tornar um poço sem fundo de gastos públicos e privados, sem jamais atingir a eficiência prometida. A comparação com portos vizinhos — Pecém (CE), Suape (PE) e Itaqui (MA) — só expõe a fragilidade do plano. Eles possuem profundidade natural, volume de cargas e rotas logísticas consolidadas. Luís Correia, ao contrário, não dispõe de carga própria suficiente para sustentar um porto oceânico e ainda enfrentaria custos de manutenção eternos.

Há também o impacto ambiental, frequentemente minimizado nos discursos oficiais. O litoral piauiense abriga manguezais, áreas de desova de tartarugas e ecossistemas frágeis. Dragagens periódicas, quebra-mares e grandes embarcações significam erosão, salinização e perda de biodiversidade. O projeto, além de economicamente questionável, coloca em risco o maior patrimônio natural do estado.


Diante desse cenário, cabe perguntar: por que insistir num modelo fadado à inviabilidade, quando existe uma alternativa realista, sustentável e alinhada à vocação local?

O Piauí poderia estar investindo em transformar Luís Correia em um grande polo pesqueiro do Nordeste. Com a infraestrutura já existente, bastaria complementar com obras de impacto direto:

- Terminais Pesqueiros Públicos com gelo, abastecimento e organização para os pescadores.

- Frigoríficos industriais e câmaras frias para garantir conservação e exportação do pescado.

- Depósitos climatizados (cold storage warehouses) e centros de distribuição, integrando a cadeia fria até os mercados consumidores.

- Plantas de beneficiamento para filetagem, embalagem e agregação de valor, transformando o pescado bruto em produto competitivo.

- Laboratórios de inspeção e certificação, permitindo que o peixe piauiense conquiste mercados exigentes, como Europa e EUA.

Essa estrutura não só respeitaria os limites naturais do litoral, como também geraria empregos locais, fortaleceria a economia pesqueira e colocaria o Piauí no mapa internacional da exportação de pescado de qualidade.

O porto de cargas de Luís Correia pode até ser vendido como um “sonho de desenvolvimento”, mas na prática se revela um pesadelo de dragagens sem fim. O Piauí não precisa de mais promessas irrealistas. Precisa de políticas públicas que reconheçam sua verdadeira vocação e transformem o potencial pesqueiro em riqueza sustentável.

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